OS FIGOS DE D.H. LAWRENCE
Lawrence aconselhou a que se partisse um figo
em quatro pedaços, para o comer, depois de deitar fora
a casca. Deste modo, pensava ele, a sociedade não veria
com maus olhos o gesto de cortar o figo, e de o
saborear lentamente, como quem lê um poema. Mas
nem todos os figos se podem comer desta maneira; e,
no caso dos figos verdes, o melhor é tirar-lhes a pele a
partir de cima, sem que ela se desprenda completamente
do fruto; e só depois de comer a parte de cima, é que
chegará o momento em que só vai ficar um pouco de figo
a segurar a casca. Nessa altura, pode-se arrancá-la, e acabar
de comer o que sobra, para que a refeição fique completa.
De facto, Lawrence também admite esta solução (e
aceita que se coma também a casca); mas teremos
de ir mais longe do que ele, o que significa
que se deve também pensar na figueira. E se, ao comermos
o figo, a árvore nos agarra a alma com os seus ramos
ásperos, obrigando-nos a afastar as folhas para ver como
é que se pode fugir debaixo dela, o sabor que fica na boca
lembra a imagem da mulher primitiva, com o seu ventre redondo
como o dos figos de S. João, os primeiros, que se colhem
com um gesto só, ficando inteiros na mão. Então, a mão
torna-se um prolongamento da figueira, e começo a pensar
que talvez possam nascer folhas de figueira nos braços,
como se estes fossem ramos; e que essas folhas servirão para
tapar os figos que irei colher, mantendo a sua frescura.
Em alternativa, poderei transformar o tronco da figueira
num corpo de mulher nua; e essas folhas irão vesti-la. Mas o figo
que tenho na mão far-me-á sentir os seus seios macios, fazendo
com que, ao tirar a casca do figo, a mulher saia de dentro dele,
e eu possa chegar à mesma conclusão de Lawrence sobre
as múltiplas formas de comer um figo.